A Câmara Municipal de Niterói aprovou, no final de dezembro, Projeto de Lei (PL) 278/2020, que impõe uma série de penalidades a quem optar por não se vacinar contra a Covid-19, depois que a campanha de imunização iniciar no município. A proposta, de autoria do vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL), aguarda sanção ou veto por parte do prefeito Axel Grael (PDT) em até 15 dias após a data da aprovação.

Além de advertências e multas, o projeto do psolista estabelece medidas severas para obrigar a população do município a se imunizar. Cancelamento de auxílios sociais, impedimento da realização de matrículas em escolas públicas e/ou particulares e penalidades a empregadores de funcionários que não comprovarem a imunização são algumas das regras impostas aos cidadãos.

A medida encontra apoio jurídico na decisão incontroversa do Supremo Tribunal Federal (STF), de 17 de dezembro, que autorizou estados e municípios a decidirem sobre questões relacionadas à vacinação contra a Covid-19. Contraditório, o STF autoriza restrição ao exercício de determinadas atividades ou o acesso a determinados locais, desde que não recorram a “medidas invasivas e coercitivas”.

As primeiras penalidades previstas no PL são advertências e/ou multas, aplicadas a todo cidadão residente em Niterói, que recusar tomar a vacina. Além disso, a autoridade sanitária do município pode fiscalizar estabelecimentos comerciais e demais estabelecimentos públicos e privados para checar se empregados e empregadores se submeteram à vacinação. Se alguém não possuir a comprovação da imunização, o estabelecimento estará sujeito a diversas penalidades: de multa até o cancelamento de autorização para funcionamento.

Os favorecidos por programas de auxílio emergencial do município também poderão ser afetados pelas medidas, tendo os benefícios interrompidos.

O vereador psolista vai mais longe e sugere que, crianças, adolescentes e adultos que não comprovarem a vacinação também não poderão efetivar matrículas em escolas públicas nem particulares.

André Borges Uliano, professor de Direito Constitucional e procurador do Ministério Público Federal, afirma que o projeto de lei é inconstitucional porque não atende a requisitos determinados pela Suprema Corte.

“Isso precisa passar por uma série de critérios, na medida em que ainda não há dados de médio e longo prazos quanto às vacinas contra a Covid-19. Não há dados científicos suficientes para atender ao primeiro e segundo itens da tese fixada”, afirma o jurista.

E completa:

“Há casos de vacinas que já são consolidadas contra doenças bastante sérias. São vacinas com décadas de aplicação, com 100% de eficácia e comprovação no longo prazo. As sanções para quem não se imunizar com essas vacinas são razoáveis. No entanto, no atual momento, não há dados de longo prazo quanto às vacinas da Covid-19, então não é possível garantir os requisitos apresentados pelo STF”, disse, citando que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) é contrária à obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19.

Uliano também garante que há ilegalidade e desproporcionalidade quanto ao impedimento da matrícula escolar, perda de benefícios sociais e do emprego.

“Uma coisa é a pessoa ser impedida de ir ao shopping. Outra é não poder ter acesso a mecanismos de subsistência e a auxílios emergenciais e a criança não poder estudar. Tudo isso é, essencialmente, gravoso”, explica.

Parlamentares fizeram coro à opinião do procurador e apresentaram uma representação no MP, comparando a lei à ações de regimes totalitários. O vereador de Niterói, Douglas Gomes (PTC) e o deputado federal, Carlos Jordy (PSL-RJ), pediram ao Ministério Público que suste os termos da lei ou que a proposição seja declarada inconstitucional.

“Vemos sérios problemas jurídicos nesse projeto. Ele não trata, por exemplo, de pessoas que não podem tomar vacinas, como as gestantes. Por outro lado, obriga as crianças a serem imunizadas sendo que no desenvolvimento das vacinas não há uma grande contemplação da imunização das crianças”.

O autor da proposta, Paulo Eduardo Gomes, reconheceu que a proposição é polêmica e “agressiva e dura”, mas afirmou que ao longo do tempo de aplicação da lei, caso sancionada pelo prefeito, se tornará “interessante”.

“É necessário, na nossa avaliação, que tenhamos um processo absolutamente pedagógico que possa lançar a discussão com tempo suficiente na população. Quanto às punições, ninguém vai entrar na casa das pessoas com arma na mão e obrigá-las a se vacinar. O projeto está cumprindo seu papel de lançar uma luz numa discussão importante que as famílias estão discutindo entre si”, despistou o socialista.

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