Pelo menos 25 oficiais em formação já pegaram a doença; contaminados são coagidos a esconder sintomas e seguir assistindo aulas.
O CADETE Kleber percebeu que tinha febre, dor de garganta, tosse e náuseas em 2 de fevereiro passado. Naquele dia, ele participava de atividades de campo na Academia Militar do Guatupê, que forma oficiais para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros do Paraná. Assim como os colegas, ele havia feito exercícios que consistem em rastejar e caminhar em um lago, que lhe deixou por horas com a farda encharcada.
Kleber comunicou seus sintomas ao oficial que comandava o treinamento e deixou claro que temia estar com covid-19. Ele foi levado para fazer um teste de PCR e, em seguida, reintegrado à tropa. Assim, seguiu em contato permanente com a turma de cerca de 120 alunos.
Dois dias depois, saiu o resultado do exame: positivo. Foi o ponto de partida para um surto do novo coronavírus na academia, que até agora contaminou 25 alunos com entre 18 e 40 anos de idade – todos com diagnósticos confirmados, segundo documentos que o Intercept analisou mas não publica para preservar a segurança das fontes.
Mas a PM manteve o surto em sigilo e obrigou os cadetes a permanecerem no Guatupê, onde dormem em quartos coletivos com oito ocupantes cada. O curso funciona em regime de internato, visto pelos oficiais que o comandam veem como uma imersão no ambiente militar.
O comandante-geral da PM, o coronel Hudson Leôncio Teixeira, é um dos oficiais que pressiona os cadetes a desprezarem a covid-19, segundo denúncias que ouvimos. O Ministério Público do Paraná instaurou um procedimento sigiloso para investigar o caso.
Por telefone e por aplicativos de trocas de mensagens, conversei com quatro cadetes do Guatupê. Um deles adoeceu de covid-19. É a primeira vez que eles falam com um jornalista sobre o surto da doença na academia, que começou dias após o treinamento iniciado em 11 de janeiro e se agravou a partir do caso de Kleber, no início de fevereiro.
Eles foram unânimes no relato de que já houve 25 casos confirmados e na suspeita de que os doentes podem ser muitos mais. Também relataram a pressão direta dos oficiais para que os cadetes não reportem sintomas de covid-19, sob pena de sofrerem perseguição na corporação.
Na prática, a PM faz um esforço para silenciar a manifestação da doença em pessoas contaminadas, além de ocultar e negligenciar um surto preocupante da covid-19 num estado em que há filas por vagas em hospitais que atendem a vítimas do novo coronavírus.
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o Paraná tinha na quarta-feira, 10 de março, a maior fila do país de doentes a espera de um leito para tratar covid-19. Ao todo, 1.185 pessoas estavam na fila – ou 25 vezes mais que um mês antes. Até o dia 10, quase 13 mil paranaenses haviam morrido vítimas da doença.
Fonte: theintercept